sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

A Cidade e a Identidade ou as Prioridades Invertidas


As cidades crescem, e frequentemente esses processos decorrem de marcas que se constituem como desafios de futuro. Paris é talvez a cidade onde esse fenómeno é mais nítido. La Defense é um poderosíssimo estigma urbano com um conjunto de funções que projecta a cidade para o futuro. Numa simetria curiosa La Defense confronta-se com o Arco do Triunfo num corredor de tempo que envolve um dos grandes eixos da cidade. Este confronto é paradoxalmente harmonioso. Já o Palácio do Parlamento, iniciado no tempo de Nicolae Cceausescu e concluído depois da queda do regime, assenta nos escombros do centro histórico de Bucareste e daí, para o visitante não emana nenhum sentimento de harmonia nem celestial nem mesmo paradoxal.

Em relação a estes dois exemplos contraditórios de grandes intervenções no espaço urbano falo como um mero visitante, nenhuma relação de natureza identitária particular me envolve. Afiro um e outro com o crivo estético que evidentemente contém elementos culturais, ideológicos e simbólicos que compõe uma matriz, também identitária, mas difusa desse ponto de vista. Não nasci nem vivi em Paris nem em Bucareste. Também não nasci em Évora mas, aqui, vivi mais tempo do que em qualquer outro lugar. Identifico-me com Évora sem que essa relação seja tutelada por nenhum tipo de conservadorismo emergente do passado. Aliás quanto à história partilho a percepção de Sartre que a sente como o limiar intransponível da Liberdade. No entanto há coisas e sítios, feitas dessa harmonia que sintetiza a ordem e o caos, que transpiram por todos os poros a autoridade do tempo e, esses, inspiram-me um sentimento de imenso respeito. Évora é assim!

Apesar de tudo nada é intocável, nada é imutável, quem não se lembra em Évora da intervenção na Praça do Giraldo e das barbaridades ditas e escritas que suscitou. Hoje Évora não seria Évora se não tivesse devolvido a esta Praça funções ancestrais de Praça. A distância que a separa da Praça mediterrânica já foi menor, a relação com as raízes magrebinas permanece apenas na esfera imaterial das construções simbólicas de cada um, a possibilidade de reviver colectivamente essas memórias, que acontecia no tempo do Viva a Rua, já não acontece, mas a Praça nunca mais será aquela espécie de rotunda cujo centro era um espaço quase sagrado que mal se pisava, que se atravessava à pressa. Hoje na Praça cumpre-se a função primordial de largo de encontros, de conversas, de negócios e potencialmente de festa.

O projecto de intervenção na Acrópole em concreto levanta problemas de natureza identitária que sustentam a posição do Grupo Pró Évora e por isso remetem, com mais evidência, um mero projecto de arquitectura para a esfera política. Mas, apesar dos elementos identitários terem um enorme peso, o problema maior, na minha opinião decorre de outra ordem de questões: a Acrópole contém os monumentos e equipamentos culturais de maior importância que, só por si e desde sempre, garantem uma enorme atractividade. Intervir na Acrópole, desta forma, reforça muito esse conjunto de funções reforçando simultaneamente o efeito fragmentário para o centro histórico da perda acelerada de funções de centralidade de todo o tecido urbano que envolve a Acrópole. Seria absolutamente prioritário intervir nas causas dessa perda de funções por forma a manter a vida no centro histórico. A intervenção na Acrópole supostamente transfere para as grandes instituições da cidade – Fundação Eugénio D'Almeida e Universidade – grandes quantidades de recursos destinados ao património de todos nós. Dessa forma a cidade real não ganha nada com a intervenção na Acrópole e a possibilidade de encontrar meios financeiros para outros equipamentos vai-se distanciando neste horizonte provinciano para o qual o que conta é a sala de visitas, pouco frequentada pelos autóctones, como convém!